segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Entrevista: Melinda James

"Além de professores maravilhosos, quando se chega no Egito tudo é estudo!"

DVNF: Conte-nos um pouco sobre sua trajetória na dança do ventre?
MJ: Comecei a dançar sem pretensão alguma de me tornar profissional, a dança veio de mansinho e se tornou tão vital quanto o ar que eu respiro.
Fiz a prova do Sindicato no ano 2000 me tornando profissional registrada e logo depois, em 2002, fiz a prova da casa de Chá onde obtive o padrão de qualidade que era tão raro no Rio naquela época.
Em 2004 trabalhei com o Clube Sírio e Libanês, dirigindo a parte artística e montando os Shows que aconteciam no clube. Devido a isso eu tive muito contato com a colônia árabe do Rio. Neste mesmo ano montei o grupo Al Qamar e em 2004 também fui convidada para me tornar uma das organizadoras do “Festival Lumina” (foi o nome do primeiro Festival organizado pela Luciana Midlej e Adriana Almeida) e assim nasceu o primeiro “Lumina-Qamar”. Esta parceria felizmente deu certo e já estamos no IX festival.
A parceria deu tão certo que em 2006 realizamos o sonho de montar nossa própria escola de dança. Um espaço de arte! Nós queríamos um lugar que abrigasse diversos tipos de arte, saúde e bem estar, e surgiu assim nosso “Espaço Mosaico”.

DVNF: Quais foram os professores que mais marcaram o seu aprendizado e por quê?
MJ: Minha principal professora foi a Soraia (Soraia Zaied).
Em um período que o Rio de Janeiro era muito pobre de informação a Soraia aceitou vir pro Rio semanalmente, de ônibus, para dar aula para as professoras daqui. Soraia acreditava que tínhamos potencial e que só precisávamos de alguém que quisesse nos ensinar. E ela fez isso, chegava cada semana com mais informações e com aquela dança tão atual e impactante. Nesta época eu quase desisti! Já dava aulas e tive que reconhecer que havia aprendido tudo errado e recomeçar.
É difícil recomeçar quando você já é uma professora, mas eu não queria que minhas alunas passassem pelo que eu passei. Um dia reuni todas as alunas e falei claramente:
Sei que vocês acreditam em mim e sei também que quero muito ensinar vocês
mas eu estou com problemas: Eu aprendi errado e tenho que recomeçar!
Vocês são livres para escolher: eu posso encaminhar vocês para outra professora que eu considere séria ou vocês podem ficar comigo enquanto eu reformulo minha didática.
Isso faz 13 anos e todas permaneceram comigo.

DVNF: Quais as suas inspirações na dança?
MJ: A Dina é incrível, sabe que é boa, é uma rainha no palco, além de ser uma bailarina extremamente inteligente, desde sua consciência corporal até suas escolhas como profissional.
Soraia é um fenômeno, uma artista completa.
Mahmoud Reda e Farida Farmy, nós devemos tanto a eles, ao trabalho sério que desempenharam com a dança oriental no mundo.
As lindas estrelas do Egito, Fifi Abdo, Souheir Zacki, Naima Akef entre todas as antigas, cada uma com seu estilo que nos contam a história da nossa dança atual.
Gamal Seif, meu professor mais exigente. Gamal chega à perfeição, não tenho palavras para falar dele...
Tantos nomes atuais e antigos que me motivam e me inspiram, cada um em estilos diferentes de dança: Mo Gedawy, Momo Caduce, Hassaan Saber, Mona Garib, Aza Sharif, Kareya Maazim, Mohamed Shain, Raqia Rassan, nossa!!! Não me faltam nomes motivadores, pessoas que estudo constantemente.
Tenho também muuuitas bailarinas brasileiras que me motivam diariamente, tantas amigas e alunas, pessoas que me inspiram, mas se eu começar a citar aqui não conseguirei terminar em tempo e temo esquecer de alguém. rs

DVNF: Você realiza frequentemente viagens ao Egito. O que te fez sentir a necessidade dessas viagens e como elas contribuem para seu aprendizado e crescimento?
MJ: Além de professores maravilhosos, quando se chega no Egito tudo é estudo!
Os aromas locais, os sons, a reza que ecoa por todos os lados, as comidas, os temperos, os diferentes povos que dividem aquela terra e os povos que já se foram mas que deixaram marcas em todos os lugares, o comportamento do povo, o clima, o Nilo que é a vida do Cairo e a poeira, até mesmo a poeira!!!

DVNF: Você tem se dedicado a estudar o folclore egípcio e este é também o tema do curso que está ministrando aqui em Friburgo. O que você considera importante para um estudo de qualidade a respeito desse tema?
MJ: Eu acho muitas coisas importantes, folclore se estuda na fonte.
Tem que ir lá, conhecer os costumes, comer da comida deles, observar, buscar professores que conviveram muito com determinados povos e entender sua visão artística. É importante saber discernir entre a visão do artista e os verdadeiros costumes locais.
Mas a coisa mais importante para mim é a honestidade. Precisamos aprender a falar “não sei” e não desistir nunca de saber. É muito complicado mesmo e quanto mais se busca mais se complica, nunca aprenderemos dança árabe com receitas de bolo, não existe esta fórmula, mas se formos honestos, tudo fica mais fácil.
Muito do que complica no nosso atual panorama são as pessoas que com pouco estudo fazem apostilas, escrevem livros, criam blogs e dissertam sobre coisas sem ter ideia do que estão falando. Estas informações  rodam na Net levando informações truncadas, incompletas e equivocadas por todo o mundo.

DVNF: Como você avalia que seja a Melinda James aluna? Como você se observa enquanto tal?
MJ: Acredito que existem dois tipos de aluno: aquela que tem facilidade e aquela que tem esforço, eu sou uma aluna de esforço e me orgulho disso.
Eu já passei muitas fases como aluna. Hoje sou disciplinada, respeito muito quem me ensina, quem se dedica a me ensinar, tento conseguir entender o que a pessoa me diz e não tentar impor o que aprendi. Talvez ele fale o que eu já sei com outras palavras, talvez completamente diferente mas ela está ali para me ensinar a sua visão e não para aprender a minha. Busco o que cada professor tem de melhor para me ensinar.

DVNF: Quando você decidiu se profissionalizar, o que motivou essa escolha e como você trabalhou para conquistar isso?
MJ: Eu fiz faculdade de Administração e trabalhava na área quando comecei a dar minha primeira turma, sábado as 9:00.
As coisas foram acontecendo e quando percebi eu já dava aula todo dia a noite, não tinha tempo para estudar dança, nem montar minhas aulas. Sabia que eu não tinha o mesmo rendimento das minhas amigas que viviam da dança e notei que precisava fazer uma opção. Percebi que a dança nos pede muito, dedicação total e que eu queria isso para a minha vida.
Me casei com a dança e com todas as suas consequências. É exatamente como um casamento! Quando sua paixão se torna rotina, não é fácil.
Lembro quando eu larguei a Administração... Meu trabalho era muito tenso, eu me estressava muito, me dedicava muito. Achei que com a dança eu seria mais light, mais calma e mais feliz...
Este último foi uma verdade mas descobri que todo o stress era “meu” e que trabalhar com a dança não é diferente do que trabalhar com qualquer outra coisa, quando você tem obrigação de fazer e o pior, “obrigação de criar”. Tive meses de criar 15 coreografias em um mês! Não é fácil mas nunca me arrependi da minha escolha!

DVNF: Em 2002 você conquistou o padrão de qualidade Khan El Khalili. Após 10 anos, como você avalia essa conquista e o que percebe de mais positivo nela?
MJ: Positivo? Sim, concluir um objetivo é sempre muito bom. Mudou minha vida? Não, meu caminho seria o mesmo sem isso. Estudar com um objetivo é muito bom, nos faz crescer.
Como o próprio nome diz é um “padrão que qualidade” eu acredito hoje em “qualidade sem padrão” acredito em “Personalidade”. Há alguns anos me dedico a perseguir meu estilo pessoal e não acho tão interessante hoje fazer parte de um padrão. Todas minhas grandes musas egípcias não se enquadram neste padrão e, partindo disso, ele se tornou desinteressante para mim.

DVNF: Quais as dicas você daria para aquelas que desejam se profissionalizar em dança? O que é importante buscar?
MJ: Estudem, estudem muito, sempre. Invistam nisso! Só isso garantirá uma dança de qualidade.
Além disso é muito importante construir um meio saudável, você é responsável pelo meio que convive. Você constrói o seu meio e escolhe o tipo de pessoa que quer ser, assim como escolhe as pessoas que caminham ao seu lado! As amigas da arte serão as melhores amigas da sua vida se você souber agir com ética, amor e humildade.
Só alcançamos nossos talentos quando nos sentimos plenas e seguras para crescer e por isto um ambiente saudável é muito importante.

DVNF: Há algo que você considere prejudicial ao cenário da dança atual?
MJ: Não sei bem, o cenário da dança atual está muito confuso. Vejo algumas profissionais lutando por um lugar ao sol, não entendo bem... Uma profissional não paga para dançar, uma profissional não trabalha de graça, também não negocia parcerias e convites de show, os alunos não são uma moeda de troca para você inscrevê-los e poder dançar. Uma profissional mesmo não precisa disto.
Ser profissional não significa somente que você dança bem, significa que você é tão boa que se sustenta com este trabalho.

DVNF: E algo prejudicial ao desenvolvimento individual durante o aprendizado da dança? O que seria?
MJ: Sim, professores muito ansiosos gerando uma leva de estudantes ansiosas. Isso me preocupa porque um aluno sem básico está fadado a uma dança mal acabada, principalmente alunos talentosos. Quem começa, precisa começar do início, isso é um direito do aluno.

DVNF: Houve alguma indignação ou frustração durante seu percurso na dança?
MJ: Nossa! Muitas! Costumo dizer que o caminho da dança é um caminho iniciático, onde você trabalha diretamente com beleza, amor e ego. Aprendi tanto, acho que me tornei uma pessoa melhor. Frustrações? Guardo elas com carinho, mas somente as que me fizeram crescer.

DVNF: Você, em sociedade com Luciana Midlej e Adriana Almeida, é proprietária de uma espaço que é referência no país, o Espaço Mosaico. Como foi o momento de criação desse espaço e o processo para que ele tivesse o destaque que tem hoje?
MJ: Falei acima um resumo de como nossa sociedade começou, só tenho a acrescentar que sou muito feliz de ter Luciana Midlej e Adriana Almeida como minhas sócias! Admiro e respeito as duas. Sei que tenho ao meu lado pessoas criativas e capazes.
 Eu não teria criado o Mosaico se não fosse a Lú. Ela acreditou desde o início! Luciana tem muitas ideias, ideias boas, ela não para um segundo. Adriana é muito boa em viabilizar os métodos, é organizada e se assegura sempre de que as coisas correrão da forma esperada.
O Espaço Mosaico foi a construção de um sonho e vivemos ele todos os dias. Nós 3 e nossa grande equipe.

DVNF: Em 2004 você criou o grupo Al Qamar, somente com bailarinas profissionais. Um grupo de muita qualidade, que sempre apresenta danças lindíssimas! Como surgiu a ideia desse grupo e como foi possível colocá-la em prática?
MJ: Grupo Al Qamar, minhas amigas, minhas companheiras de jornada! Dentro deste grupo criamos juntas e este processo de criação sempre foi delicioso.
Sim, é um trabalho de qualidade, desenvolvido com suor e lágrimas, mas hoje não acredito no termo profissional, partindo do pressuposto que não conseguimos remunerar ensaios nem pagar cachê em todos os shows. Infelizmente viver de arte é muito difícil. Acredito que somos irmãs de arte! E que trabalhamos com a maior seriedade possível, visando beleza, harmonia e qualidade.

DVNF: E sobre o Lumina Qamar, um dos maiores festivais de dança do país. Qual foi a motivação para a criação de um festival englobando concurso e mostra de dança e trazendo sempre grandes profissionais?
MJ: O Lumina dá muuuuuito trabalho mas vale cada segundo de tempo! Um evento organizado, pontual. Um dia inteiro para respirar dança! Esta é a nossa proposta inicial! E ela acontece com sucesso há nove anos.
Ver todas as escolas do Rio participando, reunidas em um único evento, é incrível!!!

DVNF: Suas alunas e suas coreografias sempre se destacam em concursos, com a conquista das melhores colocações em diversos deles. Como você vê esses concursos de dança e quais os aspectos positivos e negativos deles?
MJ: Acho ótimo competir, assim podemos mostrar nosso trabalho e ainda ter uma avaliação escrita sobre ele.
Não vejo nada negativo, quando sinto que minhas alunas não estão preparadas para perder penso que também não estão preparadas para ganhar e não as inscrevo.
Vale ressaltar que considero meu trabalho honesto e que sou bastante exigente com elas, mas tenho pessoas muito talentosas junto comigo! São tantos talentos em minha sala de aula que me sinto muito honrada em poder fazer parte do processo de crescimento de cada uma delas.

DVNF: Conte-nos sobre um momento inesquecível. Qual foi a sua melhor experiência?
MJ: São tantos!
Dançar grávida da minha filha foi um prazer muito grande, dançar no Egito também, cada Show de alunas (faço um por ano) é uma emoção enorme! Não consigo eleger um único.

DVNF: Quais seus projetos para o futuro?
MJ: Aprender e Ensinar, é isso que eu quero fazer, por muuuuuito tempo.


Por Ju Najlah

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